terça-feira, 23 de novembro de 2010

NÃO TENHO MEDO DA VERDADE

Tenho a consciencia tranquila de que como homem público sempre cumpri com o meu dever e não receio absolutamente nada, mas estou sujeito a responder ações judiciais como qualquer cidadão. Isto é do Estado Democrárico de Direito.
Hoje foi divulgada sentença em uma Ação Popular intentada contra mim, e logo nas redes sociais algumas pessoas começaram, antes mesmo de ler a sentença, a fazer juízos e insinuações.
Estou disponibilizando a sentença na íntegra abaixo. Peço aos que acessam ao Blog que a leiam para o conhecimento preliminar da questão, mas que não tirem, ainda, nenhuma conclusão, até porque os meus advogados apresentarão as minhas razões de recurso dentro do prazo legal e em respeito ao Poder Judiciário, em segunda instância, a quem caberá examiná-las, não devo antecipá-las. Quando elas forem apresentadas, igualmente aqui serão publicadas. A minha consciencia não me acusa de ter feito nada de errado como ao final será demonstrado e comprovado. Reitero a minha confiança na Justiça da minha terra.
Quanto ao aspecto político de toda essa questão não preciso dizer uma única palavra. As pessoas são suficientemente inteligentes para compreender o que há por trás disso tudo.
A seguir, a sentença, registrando que os grifos em azul são de minha autoria:
Vistos, etc … Trata-se de Ação Popular com pedido liminar, proposta por PORFÍRIO ALMEIDA LEMOS FILHO, contra SERAFIM FERNANDES CORRÊA e o MUNICÍPIO DE MANAUS, em litisconsórcio passivo com CLEOSON PICANÇO DE LIMA e RENÉ TERRA NOVA, todos qualificados às fls. 02 dos autos.
Consta na inicial que em maio de 2006 o Autor, então Secretário Municipal de Obras, foi convocado pelo Prefeito Municipal, Serafim Fernandes Corrêa, para participar de uma reunião onde seria tratado o assunto da realização de uma obra no Igarapé do Franco (construção de um acesso para os pedestres, devido ao desmoronamento ocorrido na área), localizado atrás da Igreja da Restauração, na Estrada da Ponta Negra. Relata que na reunião, à qual compareceram além do Autor e do Prefeito, o Deputado Federal Marcelo Serafim, o Procurador Geral do Município Ananias Ribeiro, o apóstolo da Igreja da Restauração René Terra Nova, o pastor que ocupava o segundo grau na hierarquia da Igreja e a vereadora Cláudia Janjão, o filho do Prefeito, Marcelo Serafim, informou que havia negociado com o pastor, René Terra Nova, a desapropriação da área contígua ao terreno na igreja da restauração, com a posterior doação do mesmo a esta, em troca de apoio à sua candidatura para deputado federal. O terreno a ser expropriado era de propriedade do litisconsorte, Cleoson Picanço de Lima, o qual se via constantemente incomodado com veículos dos frequentadores da igreja, estacionados em frente á sua garagem. O Autor alega que mesmo tendo alertado o então Prefeito Municipal sobre da ilegalidade da desapropriação, o decreto expropriatório foi assinado, dando origem a processo administrativo para pagamento da indenização no valor de R$ 349.899,89 (trezentos e quarenta e nove mil, oitocentos e noventa e nove reais e oitenta e nove centavos). Aduz, por fim, que na qualidade de Secretário de Obras, se recusou a liquidar tal valor, sendo, contudo, a mesma feita posteriormente, em novembro de 2006, por outro servidor, enquanto o Autor se encontrava ausente da Secretaria, em viagem. Diante dos fatos acima relatados, requereu fosse deferida, liminarmente, a suspensão dos efeitos do ato expropriatório e da doação da área desapropriada, anulando os referidos atos por ocasião do julgamento do mérito. Das fls. 16 à 34 juntou documentos.
Examinando o pedido liminar, proferi decisão à fl. 35, indeferindo a medida, por entender não estarem configurados todos os requisitos para sua concessão. Em razão da realização da Semana Nacional da Conciliação, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça, designei audiência para o dia 01/12/2008, a qual se realizou nos termos relatados às fls. 49 e 50.
Às fls. 57/73 contestação do Requerido, Serafim Fernandes Corrêa, argüindo, preliminarmente, a carência da ação em razão da impossibilidade jurídica da demanda. Quanto à questão de mérito, afirmou ter, de fato, ocorrido a desapropriação da área pertencente ao Sr. Cleoson Picanço de Lima, por meio do Decreto nº 8.455/2006, mas para dotação de equipamentos comunitários de interesse social na região, jamais tendo havido a doação de tal área para a Igreja da Restauração. Requereu a improcedência da ação, com a condenação do Autor por litigância de má-fé, por não ter restado comprovado a lesividade e a ilegalidade do ato e o prejuízo ao erário. O Município de Manaus apresentou contestação às fls. 75/79 aduzindo que, após vistar os processos administrativos nº 2006/2287/2908/00219 e 2007/2287/2908/00551, não restou provado, sequer de forma indiciária, as irregularidades apontadas pelo Autor na desapropriação objeto do Decreto nº 8.455/06. Afirma não ser crível admitir, como presunção, o desvio de finalidade do ato administrativo, pois o objetivo almejado com a expropriação (construção de uma área de convivência) está inserido no conceito de utilidade pública, cuja avaliação das condições de conveniência e oportunidade refoge à esfera de atuação do Judiciário, por estar adstrita às prerrogativas exclusivas do Executivo. Ressaltou, por fim, o caráter de validade e de legalidade que revestem o ato administrativo.
Intimado a se manifestar sobre os termos das contestações, o Autor o fez às fls. 171/183.
Em Promoção juntada às fls. 208/215 dos autos, o Ministério Público requereu a realização de inspeção judicial do imóvel, a fim de verificar, in loco, se o mesmo estava, ou não, sendo utilizado por particulares.
Deferido o requerimento ministerial, designei o dia 15/09/2009 para realização da inspeção (fl. 219). Às fls. 232/260 foi juntado o auto de inspeção e as fotografias que o integram.
O Município de Manaus trouxe, às fls. 265/451, cópia dos processos administrativos nº 199726002887 e 2006/3987/3992/03611. À fl. 458, o Ministério Público requereu a juntada de parecer técnico elaborado por engenheiro do órgão.
Ordenada a citação dos litisconsortes passivos, o Sr. Cleoson de Lima Picanço contestou a ação às fls. 554/571, informando que somente tomou conhecimento da desapropriação quando uma comissão da Prefeitura, formada por engenheiros e assistentes, compareceu à sua propriedade para inspecioná-la e avaliá-la. Afirmou que a Igreja da Restauração, por diversas vezes, tentou comprar o seu imóvel e o lote vizinho, de propriedade da irmã do litisconsorte e que, posteriormente, também foi desapropriado pelo Município (Decreto nº 9.020, de 10/05/07), nunca tendo chegado a um acordo quanto ao preço. Discorreu ainda, sobre os constrangimentos e incômodos sofridos durante todos os anos em que morou ao lado da igreja, quando tinha seu direito de locomoção limitado por carros de membros daquela congregação que estacionavam em frente à sua garagem, além de ter que conviver com o constante desrespeito à legislação ambiental, principalmente no que toca à poluição sonora.
O litisconsorte René de Araújo Terra Nova juntou contestação às fls. 644/658, argüindo, preliminarmente a impossibilidade jurídica da demanda, a falta de interesse processual e sua ilegitimidade passiva. Alega não poder compor o pólo passivo da relação processual, eis que não é titular da obrigação correspondente e não está na posse direta da área objeto do litígio, não tendo, portanto, relação alguma com a situação descrita na inicial, a não ser o fato de ser Presidente da igreja Ministério Internacional da Restauração.
Às fls. 674/676, réplica do Autor quanto às contestações dos litisconsortes. Em 24/09/10, realizada a primeira audiência de instrução e julgamento (fls. 741/750), onde foram colhidos os depoimentos do Autor, do Réu, Serafim Fernandes Corrêa, e do litisconsorte passivo, Cleoson Picanço de Lima. A audiência prosseguiu em 18/10/10, com a colheita dos depoimentos do litisconsorte, René Terra Nova, e das testemunhas arroladas pelo Autor (fls. 764/779).
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Decido: Inicio apreciando as preliminares arguídas pelo Réu, Serafim Fernandes Corrêa, e pelo litisconsorte, René Terra Nova.
Antes, contudo, ressalto a incorreção da posição assumida pelo Município de Manaus na presente demanda. Embora não tenha sido ponto alegado por qualquer das partes, a municipalidade, a meu ver, figura como uma das vítimas dos supostos danos advindos do desvio de finalidade da licitação, objeto do Decreto nº 8.455/06, pois foi o erário público o afetado com a desapropriação. Em vista disso, entendo que o Município de Manaus deveria integrar o pólo ativo da demanda, e não o passivo, pois acaso constata a veracidade das alegações deduzidas na inicial, é ele parte interessada no ressarcimento dos seus cofres, vez que teve parte dos seus recursos empregados em expropriação com finalidade desviada.
Segundo alega o Réu, a demanda ora proposta seria juridicamente impossível porque pretenderia discutir, por meio de ação popular, a ocorrência de infração político-administrativa praticada por agente político, quando o procedimento específico mais adequado seria o instituído pelo Decreto-Lei nº 201/67, que trata dos crimes de responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores. Equivocada é a conclusão do demandado. O Decreto-Lei nº 201, de 27/02/67, como se disse, trata dos crimes de responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, infrações político-administrativas, de natureza penal, que uma vez praticas por um desses de agentes políticos, sujeitam-os às penas de reclusão ou detenção, a depender do caso, além da perda do cargo e de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, pelo período de 5 (cinco) anos (§§ 1º e 2º, do art. 1º, do Dec.-Lei nº 201/67). Um rápida leitura da inicial já demonstra não ser esta a finalidade almejada pelo Autor com a propositura da presente ação. Dentre os pedidos deduzidos, não há, sequer, algum formulado especificamente contra a pessoa do ex-Prefeito Municipal, Serafim Fernandes Corrêa, em especial no sentido de responsabilizá-lo, diretamente, pelos fatos noticiados na inicial.
O pedido é o mesmo em relação a todos os demandados, consistindo na anulação do Decreto expropriatório que declarou de utilidade pública o imóvel de Cleoson Picanço de Lima, e da subsequente doação da referida área. Desse modo, não enxergo na presente ação e intensão de discutir a ocorrência de infração político-administrativa, supostamente praticada pelo então Prefeito Municipal, razão pela qual rejeito a preliminar deduzida por Serafim Fernandes Corrêa.
Outras duas preliminares a de ausência de interesse processual e de ilegitimidade passiva , são suscitadas pelo litisconsorte passivo, René Terra Nova (fls. 645/653). Segundo afirma na sua peça de contestação, faltaria ao Autor interesse de agir porque não demonstrada a lesividade do ato que pretende atacar, um dos requisitos da ação popular. O interesse processual, segundo a melhor doutrina, é o resultado da conjunção dos requisitos, necessidade de o autor vir a juízo, utilidade do provimento jurisdicional buscado e adequação da via eleita. A prova da lesividade ao patrimônio público, em que pese possam haver entendimentos divergentes, consiste, a meu ver, em uma das questões que compõem o mérito da ação popular, e não o juízo de admissibilidade da demanda, tanto assim que a não comprovação do dano, conduzirá à improcedência da ação. Entendo, portanto, que tal questão só deva ser analisada por ocasião do julgamento do mérito, razão pela qual rejeito a preliminar de falta de interesse. No que diz respeito à preliminar de ilegitimidade, o litisconsorte afirma não poder ocupar o pólo passivo da relação processual por não ser titular da obrigação correspondente e por não estar na posse direta da área objeto do decreto expropriatório, não tendo, portanto, qualquer relação com os fatos descritos na inicial. A legitimidade passiva para a ação popular é tema que merece tratamento específico da Lei nº 4.717/65, listando o artigo 6º os sujeitos contra quem a referida demanda pode ser proposta: “Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.” O Professor Pedro Lenza, interpretando o dispositivo acima colacionado, leciona que, no pólo passivo da ação popular, figurarão o agente que praticou o ato, a entidade lesada e os beneficiários do ato ou do contrato lesivo ao patrimônio público. (grifo meu). No caso, sendo a Igreja Batista da Restauração, representada pelo pastor Presidente, René Terra Nova, apontada pelo Autor como a beneficiária direta da suposta doação ilegal do imóvel expropriado, estando a mesma na posse da área, configurada está a legitimidade do suscitante. Por esta razão, deixo também de acolher a preliminar de ilegitimidade passiva o litisconsorte, René Terra Nova.
Superadas as preliminares, passo à análise do mérito. A presente ação popular objetiva desconstituir a desapropriação do imóvel de Cleoson Picanço de Lima, operada pelo Município de Manaus, que, à época, tinha como prefeito Serafim Fernandes Corrêa, sob o fundamento de que a área expropriada não foi utilizada para urbanização e dotação de equipamentos comunitários na região, conforme declarado no decreto expropriatório. O imóvel de 1.964,96m² (um mil, novecentos e sessenta e quatro metros e noventa e seis centímetros quadrados), localizado na Av. Coronel Jorge Teixeira, s/nº, bairro Santo Agostinho, de propriedade do Sr. Cleoson Picanço de Lima, foi declarado de utilidade pública e interesse social, para fins de desapropriação pela Prefeitura de Manaus, conforme Decreto nº 8.455, de 15 de maio de 2006 (fl. 83).
Segundo consta no art. 2º do Decreto, o imóvel seria utilizado para urbanização da área, com a dotação de equipamentos comunitários propiciadores de benefícios aos munícipes, obra esta necessária, consoante declarou o ex-Prefeito Municipal em audiência (fl. 746), em razão de um desmoronamento ocorrido no ano de 2005, em consequência de forte chuva no local. Ainda conforme relatou o ex-Prefeito, a Prefeitura programou fazer na área obras de drenagem para evitar desmoronamento, alargamento do beco ampliando a passagem, não sendo uma rua porque não passam veículos () que a terceira obra seria a construção de uma praça, para cuja construção havia necessidade de desapropriar os dois imóveis, situados entre uma das saídas e a igreja; Que os 2 imóveis foram desapropriados; () Que o projeto existe e os imóveis foram desapropriados com esse objetivo, de ter a praça (fl. 746). A desapropriação é a mais drástica forma de intervenção estatal na propriedade, posto que despoja alguém, compulsoriamente, da sua propriedade, transferindo-a ao Poder Público, mediante prévia e justa indenização. Embora caracterize-se como procedimento administrativo eminentemente discricionário, esta liberalidade restringe-se a escolha do motivo ensejador da desapropriação, ou seja, à declaração de necessidade ou utilidade pública ou de interesse social, devendo, quanto a todo o mais, respeito à legalidade. A escolha do motivo, por seu turno, quando declarada, gera vinculação para a Administração. É que, a declaração, como ato administrativo que o é, deve respeito ao princípio da motivação e, pela teoria dos motivos determinantes, uma vez externada a razão porque determinado ato é praticado, fica a Administração vinculada aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos.
Hely Lopes Meirelles ensina que, mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido. E segue afirmando: “Realmente, a autoridade expropriante só é livre na valoração dos motivos de interesse público, mas fica sempre vinculada à existência e à realidade desses motivos, assim como ao atendimento dos requisitos de legitimidade condicionadores da desapropriação. No caso das desapropriações, quando o bem for expropriado por utilidade ou necessidade pública, o mesmo terá como destinação a construção obras ou serviços públicos, ao passo que quando a expropriação for por interesse social, o imóvel será destinado a particular que o explorará ou o utilizará por exigências da coletividade.
Ressalte-se, entretanto, que a utilização de área desapropriada em outra finalidade pública, que não a declarada no decreto expropriatório, como por exemplo, construção de um hospital ao invés de uma escola, como previsto no decreto expropriatório, não caracteriza ofensa à teoria dos motivos determinantes, tampouco desvio de finalidade, pois o interesse público e o bem estar social, de qualquer forma, estão mantidos. Voltando-me para o caso concreto, temos que o Decreto municipal nº 8.455, de 15/05/2006, declarou de utilidade pública e interesse social, o imóvel de Cleoson Picanço de Lima. A área, como já dito anteriormente, seria utilizada para construção de uma praça para a comunidade do Santo Agostinho. Entretanto, o que se vê do acervo probatório contido nos autos, produzido sob o crivo do contraditório, é que no local não há praça, nem qualquer outro equipamento comunitário posto à disposição dos moradores daquela região, aliás, não há sinal, sequer, da ocupação da área pelo Município de Manaus. A inspeção judicial procedida em 15/09/2009 (fls. 232/258), demonstra, sem margem para dúvidas, que a área se encontra na posse da Igreja Batista da Restauração. O terreno tem o seu único acesso limitado por um portão, no qual se encontra afixada uma placa não oficial, inscrita com os dizeres “Portão 1. Entrada de veículos. Dirija-se ao estacionamento. Sujeito à guincho” (fotos 1 e 2, fl. 236). O ingresso no local, no dia da inspeção, somente foi possível após o destrancamento dos portões por um segurança da igreja, Sr. Miguel Campelo. No espaço constata-se ainda, a instalação e funcionamento de um restaurante/lanchonete “Espaço Gospel Lanche & Restaurante” (fotos 5, 6, 9, 10, 11 e 12) sendo a utilização do imóvel pela igreja confirmada não só pelo porteiro, como pela Advogada da congregação, quando indagados, por ocasião da inspeção, sobre o uso que o imóvel vem tendo, in verbis: “Indagado ao porteiro sobre o uso que o imóvel vem tendo, disse que o uso é para restaurante e lanchonete da igreja, indagada a advogada da igreja disse que o imóvel está em uso da igreja não sabendo precisar desde quando” (fl. 233).
Em depoimento prestado em audiência, o pastor Presidente da Igreja Batista da Restauração, René Terra Nova, também confessa a utilização do imóvel pela igreja, bem como acordo firmado entre ela (igreja) e a Prefeitura de Manaus, no qual o Poder municipal, a pretexto de indenizar a organização religiosa pela utilização/invasão de 4m (quatro metros) do seu terreno para construções de um muro e de uma passagem para a comunidade, entregou-lhe um imóvel de 1.964,96m², objeto da presente ação. São afirmações contidas no depoimento do pastor: “…que houve uma chuva muito grande na cidade de Manaus, a qual provocou o desabamento da encosta de um muro existente nos fundos da igreja, da qual é pastor presidente e fundador …Que o muro representava um risco de desabar sobre as casas de populares existentes nas proximidades…Que foi convocada uma reunião pela vereadora Cláudia Janjão e o administrador da igreja, Cesar Costas, junto á Prefeitura Municipal; Que foi realizada a reunião e a Prefeitura adotou providências para solucionar o assunto, para tanto, adentrou no terreno na igreja que era próprio, tendo sido acerto o uso de 1 metro pela extensão completa do terreno, os 3 lados do mesmo, mas resultou sendo utilizado 4 metros; Que a Prefeitura ficou de indenizar a igreja pela área utilizada a mais; Que a indenização seria conversada entre a Prefeitura e a igreja, mas não se efetivou porque o depoente não teve mais contato com ninguém da Prefeitura para discutir esse assunto ; Que foi feito um novo muro e disso a comissão, composta pela Vereadora Cláudia Janjão, foi cobrar indenização da Prefeitura, tendo sido proposto se a igreja teria interesse em receber o terreno por permuta a área que havia sido utilizada da igreja, este terreno era situado ao lado da igreja, que era uma residência, cujo proprietário não conhece; Que decidiram em comissão que iriam aceitar a permuta e efetivamente foi aceita; Que dessa permuta não foi gerado nenhum documento, que ficou tudo apalavrado, tendo feito a igreja a sua parte e o Município não, ficou devendo a parte dele, em documentação; Que adentraram na área e fizeram um projeto social, através de uma assistente social em tempo integral…”
Os excertos das declarações acima transcritos, aliado a todo o resto do conjunto probatório produzido nos autos, demonstram, de forma insofismável, a ocorrência de desvio de finalidade na desapropriação objeto do Decreto nº 8.455/06 (tredestinação ilícita), uma vez que o imóvel expropriado jamais foi empregado no fim público para o qual foi desapropriado (construção de uma praça ou de outros equipamentos comunitários para a comunidade do Santo Agostinho). Discorrendo sobre o tema, o mestre Hely Lopes Meirelles, assinala que: “O desvio de finalidade ocorre, na desapropriação, quando o bem expropriado para um fim é empregado noutro sem utilidade pública ou interesse social. Daí o chamar-se, vulgarmente, a essa mudança de destinação, tredestinação, para indicar o mau emprego do bem expropriado. Por outro lado, se o Poder Público ou seus delegados não deram ao bem expropriado sua destinação legal, ficará o ato expropriatório sujeito à anulação e a retrocessão.”
Cabe aqui esclarecer que o uso de recursos públicos em prol de entidades privadas, como é o caso da Igreja Batista da Restauração, em situações excepcionais, até pode ser admitido, contudo, não da forma como retratado nos autos, onde se vê o completo desrespeito à legislação. A ação popular, prevista no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal de 1988, e regulada pela Lei nº 4.717/65, tem por objetivo a anulação de ato ilegal, lesivo ao patrimônio público. Embora a lesão deva ser comprovada, a própria Lei da Ação Popular elegeu casos em que a ilegitimidade e lesividade do ato são presumidas. Tais situações vem arroladas nos artigos 2º e 4º, figurando o desvio de finalidade como uma delas. Vejamos “Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade. Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”
Na hipótese dos autos, inobstante a lesão ao patrimônio público prescinda de prova, por ser presumida em caso de desvio de finalidade, a mesma é nitidamente visível, pois além de a Prefeitura ter pago ao ex-proprietário do imóvel, Cleoson Picanço de Lima, uma indenização no valor R$ 349.000,00 (trezentos e quarenta e nove mil), por um imóvel que não ocupa, nem nunca ocupou, ainda “abriu mão” deste terreno de 1.964,96m², de fato, e não de direito, para a Igreja Batista da Restauração, numa suposta permuta pela invasão de 4 metros da área de propriedade daquela. Atento para o fato de que, se o acordo de permuta não ocorreu, o Município de Manaus vem, no mínimo, sendo tolerante com a igreja e negligente no cuidado e zelo do seu patrimônio, pois como admitir que um imóvel, com aquelas dimensões, localizado na mesma rua em que se encontra instalada a sede da Prefeitura de Manaus, possa estar sendo utilizado e explorado por particular, em detrimento de toda uma comunidade?
A omissão do Município de Manaus verificada até esta data, que é incomum, é um forte indicativo do desvio de finalidade da desapropriação e do conluiu entre as partes. Tem-se, portanto, como certo e indubitável o desvio de finalidade da desapropriação objeto do Decreto nº 8.455/06, constatação esta que conduz, inexoravelmente, à declaração de nulidade do ato expropriatório, nos termos do art. 2º c/c art. 11, da Lei nº 4.717/65.
Corroborando o entendimento acima, tem-se mais uma lição do Mestre, Hely Lopes Mirelles: “Assim, se, ao invés de utilidade ou necessidade pública ou de interesse social, se deparar na desapropriação motivo de favoritismo ou de perseguição pessoal, interesse particular sobrepondo-se ao interesse da coletividade e qualquer outro desvio de finalidade ou imoralidade administrativa, o ato expropriatório é nulo e deverá ser invalidado pelo Judiciário, por divorciado dos pressupostos constitucionais e legais vinculadores de sua prática.”
Declarada a nulidade do ato expropriatório, ter-se-ia o retorno do imóvel ao status quo ante, ou seja, em regra, o mesmo deveria voltar a integrar o patrimônio do expropriado, mediante a devolução, ao Poder expropriante, do valor da indenização. Contudo, o imóvel objeto da presente desapropriação já se incorporou ao patrimônio do Município de Manaus e, conforme regra inserta no art. 35 do Dec.-Lei nº 3.365/41, não pode mais ser reivindicado, resolvendo-se o direito do expropriado, neste caso, em perdas e danos. Ocorre que o valor da indenização pelo despojamento do imóvel já foi pago a Cleoson Picanço de Lima, não havendo mais que se falar, portanto, em perdas e danos.
O imóvel integra o patrimônio do Município de Manaus, entretanto, desde a desapropriação vem sendo utilizado e explorado, com exclusividade, pela Igreja Batista da Restauração, situação esta sim, que deve ser revertida, com a desocupação da área e retorno da posse, imediatamente, para o Município de Manaus, dando-lhe destinação conforme o interesse público e o bem estar social, razão da própria existência da municipalidade.
Diante o exposto, julgo PROCEDENTE a presente Ação Popular, declarando nulo o ato expropriatório objeto do Decreto Municipal nº 8.455/06.
Condeno o Réu, Serafim Fernandes Corrêa, e o litisconsorte passivo, René Terra Nova, nos termos do art. 11, da Lei nº 4.717/65, ao pagamento das perdas e danos sofridos pela coletividade, em decorrência da não ocupação da área pelo Município de Manaus, à época da expropriação, bem como pela não edificação do equipamento comunitário (praça) declarado no decreto de desapropriação, cujo valor deve ser apurado na execução, conforme preconiza o art. 14, da Lei da Ação Popular.
Com relação à doação da área à Igreja Batista da Restauração, o que restou comprovado nos autos é que a mesma teria decorrido de um ajuste verbal de permuta entre a Prefeitura de Manaus e igreja, o que, por se tratar de acordo não escrito não tem qualquer validade jurídica não podendo, por isso mesmo, ser anulado.
Entretanto, provada a posse e utilização exclusiva da área pela igreja, determino a imediata retomada do imóvel pelo Município de Manaus, sob pena de configuração de ato de improbidade administrativa e de crime de prevaricação. Para tanto, remeta-se cópia desta, face à gravidade da matéria aqui versada, ao Exmo. Sr. Procurador Geral da PGM.
Conquanto tenha assento o órgão do Ministério Público nesta jurisdição, determino a remessa de cópia da presente sentença à Procuradoria de Defesa do Patrimônio Público para proceder como de direito, em face do descumprimento da determinação deste juízo, que em 15/09/2009, ordenou expressamente ao Município que adotasse providências.
Condeno os Requeridos, Município de Manaus e Serafim Fernandes Corrêa, ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais fixo, na forma do art. 20, §4º, do Código de Processo Civil, em R$ 34.989,00 (trinta e quatro mil, novecentos e oitenta e nove reais), valores que deverão ser repartidos igualmente entre os condenados. Transitada em julgada esta decisão, dê-se baixa na Distribuição e arquivem-se os autos.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Manaus, 22 de novembro de 2010
Cezar Luiz Bandiera Juiz de Direito

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